07 outubro, 2004

Oropa França e Bahia

(...)Dou-te tudo que quiseres:
Dou-te xale de Tonquim!
Dou-te uma saia bordada!
Dou-te leques de marfim!
Queijos da Serra Estrela,
perfumes de benjoim...
Nada.
A mulata só queria
que seu Manuel lhe desse
uma nauzinha daquelas,
inda a mais pichititinha,
prá ela ir ver essas terras
"De Oropa, França e Bahia"...
(...)
Maria atirou-se n´água,
Seu Manuel seguiu atrás...
— Quero a mais pichititinha!
(...)
— As eternas naus do Sonho,
de "Oropa, França e Bahia"...
Lembrei-me deste "romance" de Ascenso Ferreira logo agora que Amélia e eu estamos de partida para Salvador!!! Oba! Uma semana totalmente soteropolitana! Além da participação no XXII Congresso Brasileiro de Psiquiatria, teremos 5 dias inteiros - e noites! - para curtir praias, batuques, axés, oloduns, tartarugas e descobrir o que a Bahia tem: não conhecemos nadica de nada daquela terra que enfeitiça a todos que lá aportam. Voaremos pelas asas da TAM e ficaremos no Hotel Pestana (ex-Meridien). Uma semaaaaaaana... parece um sonho. O clima de baianidade já nos assalta há dias -o tempo parece lento, as horas não passam, ficamos de olho na meteorologia: Vai dar sol?
Pois é, alguém sugere um programa "imperdível", que não seja prá enganar turista trouxa? Dizem que 'mineiro compra até o Pão de Açucar' mas acho que já estamos vacinados... Podemos comprar acarajé? Podemos ver Olodum? Prometemos publicar algumas fotos, contar alguns "causos", não deixar este blog morrer...
[Saiba mais do Ascenso Ferreira no Guia de Poesias do espetacular
Luiz Alberto Machado!]

30 setembro, 2004

Felicidade Total!

A notícia me pegou durante o almoço de hoje: Travesseiro é o "namorado perfeito"

"Designers japoneses inventaram o que está sendo considerado por muitos
como a solução perfeita para as mulheres solteiras: o travesseiro namorado.
O travesseiro é o parceiro ideal porque ele não ronca, não puxa as cobertas
- não vai dormir em lugares e com quem não deve.
Cada travesseiro vem com duas capas em rosa e azul,
que podem ser lavadas e passadas pela "namorada dedicada".
Além de tudo, o travesseiro-namorado funciona como um relógio despertador,
vibrando de cima a baixo para acordar a companheira.
Um porta-voz do fabricante afirma
que o travesseiro tem sido um sucesso absoluto de vendas,
tanto que a empresa está trabalhando com uma lista de espera.
"-Mulheres de todas as idades estão fazendo fila no quarteirão para levar um destes", disse.
O travesseiro pesa 20 quilos e está disponível apenas no Japão.
Mas já existem pedidos do exterior."
Lembrei-me, na hora, de um post anterior, Namorada Virtual e pensei:"-Pronto! agora o problema da solidão está resolvido: os homens com sua virtual girlfriend e as mulheres com seu pillow boyfriend!

Eis o paradigma da comtemporaneidade: o imperativo do prazer [drogas], o gozo garantido ["viagras"], o sexo perfeito [técnicas performáticas], a vida como espetáculo [reality show], a pílula dourada [aparência, semblant]. No final, será que a felicidade está ali onde se promete encontrá-la?

Imagine um kinder ovo sem a surpresinha dentro! O fato de se ter um travesseiro que te abraça ou um gadget no telefone celular para ser cuidado pode ser um produto qualquer. A questão é a promessa contida na embalagem, impossível de ser cumprida. O marketing quer nos atingir nas mais profundas necessidades: afeto, emoção, laço social, medo do abandono... Daí a utilização da palavra mágica, namorado(a).("Mágica" porque atinge o desejo humano mais inconsciente: desejo de SER AMADO!: A surpresinha - faltante - dentro da embalagem! O kinder ovo está, irremediavelmente, oco!

Adoramos ser enganados, ávidos de felicidade completa, fazendo semblant de que tudo vai bem, a correr atarantados em busca do elixir da felicidade. Somos inseridos (ou coagidos) a cair no maior conto-do-vigário de todos os tempos: -"Compre, nós temos a solução para todas as suas carências".
Já não importa o que somos, sob o império do Deus Mercado. Não é necessário esforço, não é necessário trabalhar suas dificuldades pessoais, seus conflitos, suas dúvidas. Não é necessário aperfeiçoar-se, crescer como ser humano. Não, não! Basta ter dinheiro, money, tutu, la plata. Seja um consumidor e seja feliz!

Ou, pelo menos, faça-de-conta, como diz Marc-Lavoine, em sua chanson:
Fais semblant, fais semblant
Fais semblant, Même si tu ne m'aimes pas, même pas
Maintenant
Pour sauver ce qui nous reste de vivant
Au moins prétends
Ne pas rester que pour l'argent, tu entends
Ou alors, ou alors disparais vraiment
Fais semblant, fais semblant
Fais semblant, fais semblant
Même si tu ne m'aimes pas, même pas
Fais semblant, fais semblant
Même si tu ne m'aimes pas, même pas
Fais semblant, fais semblant

28 setembro, 2004

Poema minúsculo

BH, 35°
O sol está quente, quente:
Com razão duvida o padeiro
se a vida se torna um inferno
ou um forno mal regulado.
[Cláudio Costa]

22 setembro, 2004

Na morada dos índios

"O que levaria uma mulher de 24 anos, estudante de letras, que gosta de dançar reggae, ir ao teatro e ler bons livros, a abandonar a cidade grande para viver com índios no Alto Xingu?"
Com essa pergunta, assim começa a reportagem publicada hoje no Estado de Minas, acerca de Andréia Duarte, mineira de 24 anos. A mocinha está morando, há 4 anos, com os índios tupis-guaranis, no coração do Brasil, numa aldeia próxima de Água Boa-MT.
Lembrei-me imediatamente de uma reportagem do Jornal do Brasil, na qual se afirmava que ela estaria apaixonada pelo cacique Kotoki, o que a teria arrastado para fora da "civilização". A fantasiosa história já a colocava como a quarta esposa do cacique!
Hoje, Andréia explica: "Não sou índia, não quero me tornar índia. Respeito aquele povo. Não vivemos (os brancos) como se soubéssemos que um dia vamos morrer. Estamos numa época em que as pessoas se prendem ao corpo, à estética, ao dinheiro. Você até ouve falar sobre as camadas pobres da população, mas ninguém faz nada por elas. Quero ter atitude, mesmo que seja ali, numa tribo de 300 pessoas. Esta é a minha fé. É uma luta por uma causa, não um romance. Eu, ele (Kotoki) e o pai dele conversamos sobre o assunto (boatos do casamento), achamos uma pena que, com tanta coisa importante para ser dita sobre os povos indígenas, as pessoas queiram falar sobre isso."
Escolheu a aldeia porque era a única que não possuía escola. Criou uma.
Isso serve prás cabeças, pensei: Não sei quem aprende mais, se os curumins [etim. tupi kunu'mi ou kuru'mi = 'menino, rapaz novo ou jovem'] ou ela mesma - e através dela, nós aqui, ditos civilizados.
Alguns exemplos citados pela Andréia:
  • Cultura: "costumo dizer que os kamayura são índios aristocratas. Eles não se assentam encurvados, não falam alto, não têm discussões entre si. Não são preguiçosos, chegam a ficar 6 meses construindo uma casa, pescam diariamente e plantam tudo que comem."
  • Sexo e casamento: "Os homens têm a função de construir a casa, plantar a roça. As mulheres colhem e buscam a água. Eles assam o peixe e elas fazem o polvilho. Tudo é muito organizado. Eles podem se casar com quantas mulheres quiserem e, muitas vezes, o casamento acontece para que haja divisão do trabalho. Transam por prazer, adoram sexo. Acho que o brasileiro parece ter herdado isso do índio."
  • Catarse coletiva: "Há um ritual em que as mulheres passam a noite xingando os homens. Já participei e adorei. Às vezes eles acham ruim, correm atrás das mulheres e jogam mingau na gente. Em outro ritual, eles dão o troco."
  • Ciúme: "Existe sim, mas não se separam por isso; as mulheres também pulam a cerca. São todos parentes e decidem quem pode se ralacionar com quem".

O Cacique Kotoki tem defendido a preservação da natureza, sendo que a principal preocupação dos índios do Xingu é com o desabastecimento de água. “As fazendas de soja desmatam e poluem as águas dos rios com os agrotóxicos”, denunciou Kotoki, o cacique da aldeia Kamayurá.
E ainda tem gente que, ao se referir a alguma coisa ruim, diz: -"Programa de índio!".Eu cá me pergunto: será?
A mineirinha Andréia disse que vai se tornar antropóloga. Só a entrevista já valeu por uma aula, não é?

19 setembro, 2004

Qual o seu preço?

Se me causara espanto, semana passada, a notícia acerca de um cachorro que teria puxado o gatilho de um revólver e atirado contra o homem que o agredia (!), imagine o que senti, ao ler o seguinte:
Um pastor português, 49 anos, comprou uma mulher por 2,5 mil euros + 15 cabras! Chama-se Diamantino Curtinhas, o tal pastor. O problema é que não recebeu a "mercadoria" conforme lhe prometeram os vendedores. Armou-se de uma carabina, pediu uma burra emprestada e foi à caça da moça de 22 anos, de nome Mariza Fernandes. Com o negócio feito no Carnaval, só há pouco tempo é que Diamantino Curtinhas encontrou a escolhida Marisa. O duo de negociantes lhe disseram que a "mercadoria" chamava-se Andreia e morava em Mesão Frio. O pastor, que já é casado e tem três filhos, foi reclamá-la de caçadeira em punho, barricando-se numa garagem em frente à habitação da jovem. Os vizinhos de Diamantino Curtinhas estão revoltados e indiganados com o engano de um "homem bom e pronto a ajudar" que apenas possui uma fraqueza: as mulheres.
Pois é, ao invés de querer justiça pelas próprias mãos (afinal ele "tinha direito", pois pagou e não levou), deveria ter ido ao PROCON - ou em Portugal não tem dessas coisas? Coitado do bom homem (assim pensam os vizinhos...).
Talvez este fato não seja lá tão espantoso, pois me recordo de uma amiga recém chegada do Marrocos. Contou-nos, quase orgulhosa, que seu marido recebera a proposta de trocá-la por duas garbosas camelas, mais alguns tapetes, de bônus...
Será que isso ocorre por aqui, também? Por quanto as pessoas estão se vendendo?
Nas eleições próximas, quantos eleitores se vendem (vendem sua ideologia, suas crenças, seu voto) a um candidato em troca de camiseta, um churrasco ou pela promessa de benefício qualquer, "caso eu seja eleito"?
E você, qual o seu preço?
Êta mundão, sô! Ah! você quer ler a notícia completa? Clique aqui.

15 setembro, 2004

Déficit de Atenção e Hiperatividade

Grande número de pessoas, em torno de 3% a 6% da população infantil e 2% da adulta, tem dificuldade para se concentrar, relaxar, ficar quieto e, consequentemente, apresenta baixo desempenho escolar, comprometimento afetivo-social e, na vida adulta, dificuldades conjugais e laborais. Parece uma estatística exagerada. Entretanto, pesquisas feitas no Brasil e nos outros países confirmam este número. Descartando-se problemas físicos e outros transtornos emocionais (psiquiátricos), a causa mais frequente do quadro de desatenção e hiperatividade chama-se Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH).
É uma doença da moda? Não. Na verdade, as revistas semanais e os principais jornais, até mesmo a TV, têm feito reportagens sobre o assunto, provavelmente porque a indústria farmacêutica está lançando alguns medicamentos novos (ou em nova apresentação) para tratar os portadores de TDAH.
Essa constatação, no entanto, não invalida a preocupação dos educadores, psicólogos e psiquiatras com o transtorno, pois, segundo a Academia Americana de Medicina, o diagnóstico e tratamento deste quadro está muito bem estabelecido, com validade superior à de muitas doenças físicas:
- é a condição mórbida crônica de maior prevalência em crianças na idade escolar;
- é o distúrbio neurocomportamental mais comum na infância;
- cerca de 40% das crianças portadoras, não tratadas, evoluem para abuso de drogas, comportamentos antisociais e de risco, na adolescência;
- o transtorno persiste até a idade adulta, com sérias consequências.
O quadro clínico pode ser predominantemente de Desatenção, de Hiperatividade, de Impulsividade ou, ainda, um misto disso tudo. O diagnóstico é clínico, quer dizer, não depende de exames laboratoriais (sangue, eletroencefalograma, imagens).
Desatenção - os principais sintomais são estes:
- dificuldade a prestar atenção, descuidar das atividades escolares e profissionais, parece não escutar o que se lhe diz, não seguir instruções, não terminar tarefas escolares ou deveres profissionais, dificuldade em organizar tarefas e atividades, evitar envolver-se em atividades que requeiram esforço mental constante, perder coisas, distrair-se facilmente...
Hiperatividade - eis os principais sintomas:
- agitar as mãos, tamborilar frequentemente, mexer-se nas cadeiras, balançar pernas e pés, abandonar o assento em momentos inadequados, correr incessantemente quando não apropriado, dificuldade em se envolver silenciosamente em atividades de lazer, estar frequentemente a "mil", como se fosse movido por um motorzinho, falar demais...
Impulsividade - caracteriza-se por:
- frequentemente dar respostas precipitadas antes das perguntas serem concluídas, apresentar constante dificuldade em esperar a vez (em filas, por exemplo), interromper ou meter-se em assuntos de outros, irritar-se rapidamente quando algo não vai bem, não tolerar frustração, envolver-se em brigas, apresentar comportamentos opositivos com frequência...
Como se pode ver, uma criança, adolescente ou adulto com TDAH terá dificuldades nas áreas principais de sua vida: acadêmica, relacional e profissional.
Sobre este tema, já escrevi um post anterior. Fui mais objetivo neste atual, pois estou preparando um curso sobre o assunto, promovido pelo Ciclo-Ceap. Será no próximo sábado, dia 18, de 9h às 18h.
- Um ótimo site, em português, sobre o assunto, é o da ABDA.

07 setembro, 2004

Namorada virtual

Li esta notícia no Estado de Minas de hoje: A empresa Artificial Life, de Hong Kong, desenvolveu um novo jogo que inclui uma namorada virtual. A empresa diz que a moça vai aparecer como uma figura animada na tela de vídeo do telefone celular... Todas as namoradas virtuais vão ter a mesma aparência – mas cada uma delas se comportará de maneira diferente – dependendo de quanto dinheiro for gasto com elas. Os homens terão que pagar extra para comprar flores e presentes para a sua namorada virtual. Em troca, ela vai apresentar ao namorado diferentes aspectos de sua vida, como suas amigas – também imagens eletrônicas. Se o jogador negligenciar a namorada, ela vai se recusar a falar. A namorada virtual é magra e tem cabelos escuros, como a personagem Lara Croft, do jogo Tomb Raider. (A notícia está aqui e um pequeno vídeo da Virtual Girlfriend aqui - horrorosa, por sinal).
A gente já fala de "amigo(a) virtual" e até de "sexo virtual", proporcionados pela internet. Creio que é uma força de expressão: na verdade, as imagens e sons disponibilizados nos jogos eletrônicos e sites especializados apenas alimentam a imaginação de cada um. Os artistas de TV, os apresentadores mais populares, as figuras públicas, todos podem experimentar o carinho ou ódio dos telespectadores e do público: são reconhecidos nas ruas e tratados, às vezes, com uma intimidade desconcertante. Seria uma espécie de "intimidade virtual"? -Ah! você é a Xuxa? Te adoro! Olá Ronaldinho, como vai a Daniela?
Mas o termo virtual se aplica, mais especificamente, às criações digitalizadas, que nos dão a impressão de realidade: cenários de filmes, jogos eletrônicos, personagens imaginários, como a Lara Croft, de Tomb Raider.
Lara Croft
O fenômeno, porém, é mais antigo: conta-se que Michelangelo, impressionado com a perfeição de seu Moisés, martelou o mármore, dizendo: "Parla!". A virtualidade estaria em transferir para os objetos inanimados as características só encontradas em seres vivos, como se aqueles pudessem expressar ou sentir como se humanos fossem.
Há um exemplo ótimo, representado pelo quadro "Pigmaleão e Galatéa, de Jean-Léon Gérôme, 1824-1904, atualmente no The Metropolitan Museum of Art, New York, USA.
Neste quadro, Gerôme capturou muito bem a perfeição da estátua, a tal ponto que escultor a abraça - e a deseja - como a um ser humano. Afinal, a textura do mármore, as convexidades e concavidades caprichosamente moldadas pareciam ter vida, até mesmo querer se mover!

Pigmaleao e Galatea
Acho que estes exemplos demonstram nossa fragilidade diante do real e a força de nosso imaginário. Por isso, não duvido nada de que muitos gastarão seu dinheirinho presenteando as Virtual Girlfriends, tranferindo para elas seu amor e esperando delas a satisfação de suas fantasias e desejos. Só não sei se o slogan de uma antiga loja (acho que da multinacional Sears) poderá ser evocado: Satisfação garantida ou seu dinheiro de volta! Afinal, a idealização do outro, a superestimação de suas qualidades e o engano dos sentidos não resistem ao duro teste de realidade. Enquanto isso, no meu "mundo blog", estou cheio de amigos e leitores, cuja virtualidade se esvanece cada vez que deixam aqui seus comentários. Então, tenho certeza, tem gente do lado de lá. Graças a Deus!

05 setembro, 2004

Tempos Sombrios

Realmente, vivemos tempos sombrios!
A inocência é loucura.
Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade.
Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar.
Que tempos são estes,
em que é quase um delito
falar de coisas inocentes,
pois implica em silenciar
sobre tantos horrores.
[Mais uma de Bertold Brecht, porque me faltam palavras]

04 setembro, 2004

De que serve a bondade?

"Ao menos trezentas e vinte e duas pessoas, entre elas 155 crianças, morreram no desfecho da invasão de uma escola por terroristas em Beslan, na Ossétia do Norte, sudoeste da Rússia."

1 - A notícia, assim, curta e seca, não tem a força das imagens vistas sem parar nas telas da tv: horror, horror, horror... Mais uma vez, a pergunta: são humanos os que praticam tais barbáries? Sim, são humanos! Cabe-nos, mais uma vez, refletir sobre a "nossa" natureza e suas marcas na história da humanidade, um rosário infindável de violência, dominação, sangue derramado, etc. Nessas horas, lembro-me de um poema, que compartilho com vocês:
De Que Serve A Bondade?

De que serve a bondade
Se os bons são imediatamente liquidados,ou são liquidados
Aqueles para os quais eles são bons?

De que serve a liberdade
Se os livres têm que viver entre os não-livres?

De que serve a razão
Se somente a desrazão consegue o alimento de que todos necessitam?

Em vez de serem apenas bons,esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne possível a bondade
Ou melhor:que a torne supérflua!

Em vez de serem apenas livres,esforcem-se
Para criar um estado de coisas que liberte a todos
E também o amor à liberdade
Torne supérfluo!

Em vez de serem apenas razoáveis,esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne a desrazão de um indivíduo
Um mau negócio.
[Bertold Brecht(1898-1956)]

2- Agora, só prá lembrar: em 20 de novembro de 1959, a Assembléia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração dos Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil:
  • Toda criança será beneficiada por esses direitos, sem nenhuma discriminação por raça, cor, sexo, língua, religião, país de origem, classe social ou riqueza. Toda e qualquer criança do mundo deve ter seus direitos respeitados!
  • Toda criança tem direito a proteção especial, e a todas as facilidades e oportunidades para se desenvolver plenamente, com liberdade e dignidade.
  • Desde o dia em que nasce, toda criança tem direito a um nome e uma nacionalidade, ou seja, ser cidadão de um país.
  • As crianças têm direito a crescer com saúde. Para isso, as futuras mamães também têm direito a cuidados especiais, para que seus filhos possam nascer saudáveis.
  • Toda criança também tem direito à alimentação, habitação, recreação e assistência médica! (Isto é um resumo, são 10 princípios, que você poderá conferir aqui.)

3- Voce sabe quantas crianças brasileiras morrem antes dos 5 anos de idade, por falta de condições sanitárias, água encanada, alimentação adequada, exclusão social? Veja aqui e não se espante ao descobrir que a barbárie ocorre tembém entre nós. Tristes trópícos...

28 agosto, 2004

Olga: "Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo."

Assistimos, Amélia, Ângelo e eu, ao filme "Olga", baseado no livro homônimo de Fernando Morais. [Clique aqui para saber quem foi Olga.]
O diretor, Jayme Monjardim (dirigiu a novela "Pantanal"), enfatizou o aspecto romanesco da saga espetacular da jovem revolucionária, deixando os aspectos políticos e ideológicos como pano de fundo. Funciona: a carga dramática do filme, às vezes exacerbada, prende a atenção e os corações dos espectadores. Alguns críticos detonam o filme por isso, mas não concordo. Se há uma história de amor permeando as lutas dos protagonistas, em momento algum deixamos de vivenciar as angústias e os horrores da perseguição política, o aterrorizante aparelho político-militar nazista e as crueldades praticada pelo ditador brasileiro, Getúlio Vargas (cujo suicídio, há 50 anos, abalou a nação).
Alemã de origem judia e revolucionária comunista, Olga Benário foi designada pelo Partido Comunista para proteger Luís Carlos Prestes em sua viagem secreta de volta ao Brasil. Já o admirava antes mesmo de conhecê-lo, por ter ouvido falar da Coluna Prestes. [Prestes havia liderado um movimento político-militar de origem tenentista, que entre 1925 e 1927 se deslocou pelo interior do país, percorrendo 25 mil km (!) pregando reformas políticas e sociais e combatendo o governo do então presidente Arthur Bernardes e, posteriormente, de Washington Luís.]
Getúlio, através de seu chefe de Polícia, Fellinto Muller, prendeu o casal Prestes e Olga, entregando a jovem à Gestapo. No filme, as cenas do nascimento da filha Anita e sua separação da mãe se constituem num dos momentos mais dramáticos.
O filme é imperdível, seja pelo conteúdo e carga dramática, seja pelas referências históricas, seja pela denúncia implícita dos movimentos totalitários.
Saí do cinema refletindo sobre a força dos ideais. Pensei: será que não mais acreditamos que podemos mudar o mundo? Estamos resignados ao papel coadjuvante de meros consumidores (embora pobres) a sustentar o "capital" sem pátria? Será que a queda do muro de Berlim derrubou, também, os ideais de igualdade, justiça social, do bom e do justo?
Já no campo de concentração, às vésperas de sua execução, Olga escreve estas últimas palavras à filha e a Prestes:
Querida Anita, Meu querido marido, meu garoto: choro debaixo das mantas para que ninguém me ouça pois parece que hoje as forças não conseguem alcançar-me para suportar algo tão terrível. É precisamente por isso que me esforço para despedir-me de vocês agora, para não ter que fazê-lo nas últimas e difíceis horas. Depois desta noite, quero viver para este futuro tão breve que me resta. De ti aprendi, querido, o quanto significa a força de vontade, especialmente se emana de fontes como as nossas. Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo. Prometo-te agora, ao despedir-me, que até o último instante não terão porque se envergonhar de mim. Quero que me entendam bem: preparar-me para a morte não significa que me renda, mas sim saber fazer-lhe frente quando ela chegue. Mas, no entanto, podem ainda acontecer tantas coisas... Até o último momento manter-me-ei firme e com vontade de viver. Agora vou dormir para ser mais forte amanhã. Beijos pela última vez.
Olga.”

24 agosto, 2004

Festival Gourmet de Tiradentes-MG

Em janeiro deste ano, Amélia e eu estivemos na cidade de Tiradentes , uma das cidades mais charmosas de Minas, com um centro histórico muito bem conservado. Fica pertinho de Belo Horizonte (170km), em direção sul, próxima a S.João del-Rei e Barbacena. O casario colonial, as ruas calçadas com lajes, emoldurada pela Serra de S. José, é destino privilegiado do maior circuito turístimo em implantação no país, a Estrada Real., juntamente com Outro Preto e Diamantina, Durante uma semana inteira, participamos da Mostra de Cinema. Na Pousada em que ficamos, a Mãe D´água, bem no centro histórico, convivemos com os diretores, produtores e artistas do cinema nacional. Assitimos em praça pública e no "Cine Tenda" aos lançamentos de filmes que, agora, já estão no circuito comercial. Uma beleza de passeio que recomendamos a quem quiser alto astral, cultura, diversão&arte, culinária, caminhadas pela Serra de S. José, com direito a cachoeiras, etc. Guarde aí: última semana de janeiro/05 tem mais!
Outra dica: agorinha mesmo, está acontecendo em Tiradentes o Fest Gourmet, ou seja, o VII Festival Internacional de Cultura e Gastronomia: Os mais conceituados chefs estrangeiros e brasileiros levam a Tiradentes os mais novos conceitos e tendências da gastronomia mundial. São cursos, degustações, almoços, jantares e festins - jantares mais glamourosos, requintados, à luz de velas, com música erudita ao vivo - que são um verdadeiro convite ao doce prazer da gula. No bom sentido, claro! Saborear um belo prato emoldurado pela rica arquitetura barroca de Tiradentes é um deleite!. No "delicioso" site de Eduardo Maya, o "Chef-on-line" você pode conferir a programação e receitas de pratos irrecusáveis.
Para dar água na boca, uma "receitinha" simples, mineirinha, gostosinha, prá tomar com um cafezinho bem quentinho, sem dispensar um queijim fresquim: Broa de Fubá:
Primeiro, você vai separar os seguintes ingredientes:
02 ovos
04 xícaras de fubá
1 e 1/2 xícara de açúcar
1/2 litro de leite
04 colheres de manteiga
Sal a gosto
02 colheres (de chá) de fermento em pó
Em seguida, mãos à obra: bata o açúcar e os ovos e depois misture ao fubá. Com todo o carinho, acrescente o leite, continue batendo e, aí, coloque o fermento. Unte bem a forma para não agarrar, despeje a massa e ponha para assar em forno pré-aquecido, por um tempo de 40 minutos a uma hora. Retire do forno e espere amornar para, aí sim, desenformar, partir e... saborear. Tem gente que coloca uns pedacinhos de queijo minas na massa, antes de levar ao forno. Eu adoro desse jeito! Ah! um café quentinho com broa de fubá é uma guloseima inesquecível. Ao degustar, separe um pedacim prá mim, tá bom?

22 agosto, 2004

Duas viagens e um pijama

Uma semana sem postar, em que os dias foram ocupados pelo prosaico cotidiano e por duas viagens:
Dia 13 de agosto, de ônibus, parti em direção sudoeste de Belo Horizonte, em busca do cruzamento do paralelo 20S com o meridiano 45W, ou seja,
Divinópolis. A cidade estava em plena DivinaFolia, evento que abre o calendário do segundo semestre do CarnaBrahma 2004 - o maior circuito do carnaval fora de época do país –, que percorrerá o Brasil com a promoção de micaretas e festas do gênero nas regiões Sudeste e Nordeste.
Entre as atrações, as bandas Chiclete com Banana, Babado Novo e Bartucada para agitar a festa até o sol raiar. Também se apresentaram bandas locais, como KSamba, Ká Entre Nóis e Fernanda Garcia, em oito horas seguidas de show em cada dia de festa.
Mas eu não fui prá festa nenhuma, fui a trabalho (!), ministrar um Curso de Transtornos de Aprendizagem para professores(as) da Rede Municipal de Ensino. Além do trabalho, valeu o peixe-no-espeto, devorado na Churrascaria Savassi, bom demais!
Semana seguinte, anteontem, embarquei no vôo 5586 da Total, em direção ao Vale do Aço, aterrisando em Ipatinga, 30 minutos depois, onde daria um Curso sobre Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, assunto que já abordei, aqui.
A 3.500m de altura pude comprovar a destruição de nossas montanhas, perpetrada pelas mineradoras, que estão esburacando o solo para retirar minério de ferro [perpetrar: v.t.d. - cometer, praticar (ato moralmente inaceitável, crime, delito etc., segundo o Houaiss]. Vai tudo pro Japão e pro império do norte! Logo saindo de Belo Horizonte, avista-se a Serra da Piedade, comida pelas beiradas, as encostas erodidas, a mata ferida, as nascentes secando, como denuncia o movimento SOS Serra da Piedade!
Ipatinga, entretanto, me surpreendeu pela beleza e organização da cidade, pelas largas e ajardinadas avenidas, pelo alto índice de saneamento, pelos dispositivos de atenção à saúde proporcionados pela admnistração municipal e pelos parques, como são chamadas as enormes praças. Poucas cidades do Brasil se dão ao luxo de ter uma área verde com cerca de um milhão de metros quadrados e 12 mil árvores plantadas, situada praticamente no centro e aberta a toda a população. Pois Ipatinga tem o Parque Ipanema, complexo de lazer projetado pelo paisagista Roberto Burle Marx, um dos últimos concebidos antes de sua morte.
Foi uma viagem agradável, ao lado do colega Francisco Goyatá, psiquiatra e psicanalista de carteirinha, bom de papo, culto, engraçado, espontâneo e verdadeiro ator (atuamos juntos no Show Medicina e no Show Anatomia, em priscas eras [prisco: adj. - que pertence a tempos idos; antigo, velho, prístino].
Quase rolei de rir ao ver o Goyatá desembrulhando um pacote, extraindo dele um pijama azul-bebê, novinho em folha, arrancando-lhe a etiqueta, a dizer: "-Foi minha mulher, a Martinha, que me deu, pois achava um absurdo eu dormir no mesmo quarto com você usando minha velha camiseta!". Isso é que é prestígio! Tenho de agradecer à Marta por tamanha delicadeza!
Depois desta, só mesmo uma noite de sonhos, pontuada por roncos, a me lembrar as escavadeiras devorando as serras das Gerais.

15 agosto, 2004

Sepultura, Clube da Esquina, etc

Pois é, como relatei no post Da vicissitude à ventura, minha vesícula foi retirada por causa de uns cálculos biliares pelo Dr. Júlio, cujo apelido é "Julinho Sepultura". Não me intimidei com isso e, mesmo com um cirurgião com cemitério no apelido, sabia que estava em boas mãos. Tanto é que estou aqui hoje, vivinho da silva! Fui tirar a limpo a razão do epônimo (êpa!) e descobri que o Dr. Júlio fôra um dos primeiros guitarristas da famosa banda de heavy metal, Sepultura, nascida aqui em Belo Horizonte, no famoso bairro de Santa Tereza, onde se formou o Clube da Esquina [Milton Nascimento, Beto Guedes, Lô Borges, etc.]. Fui retirar os pontos da cirurgia na quinta-feira passada e, de viva voz, confirmei com o próprio: "Realmente tocamos juntos, pode conferir no site do Sepultura, no link do Igor!", disse o Julinho. Corri pra internet e lá está, no verbete Igor Cavalera: "RELATE TODAS AS FORMAÇÕES/MEMBROS QUE O SEPULTURA TEVE:
Ale Caveira, Beto Pinga, Gato, Dr Julio, Jairo, Roberto Ufo." Taí o Julinho!
Belo Horizonte tem sido um centro de criação musical importante, com grupos e músicos já conhecidos no mundo inteiro: Milton Nascimento (Clube da Esquina), Beto Guedes, Família Borges, Fernando Brant, Skank, Jota Quest, Pato Fu, TiaNastácia, Wilson Sideral... Agora vai pro meu currículo a cicatriz deixada pelo Julinho Sepultura!
Ah! eis outro site legal sobre o Clube da Esquina.

10 agosto, 2004

Beba água e fique feliz

O Estado de Minas de ontem transcreveu notícia publicada no The Observer - jornal britânico - de domingo, afirmando que estão sendo encontrados traços do antidepressivo Prozac (cloridrato de fluoxetina) na água consumida pelos ingleses. A Agência para o Meio Ambiente da Grã-Bretanha sugere: tanta gente vem tomando o tal remédio que seus resíduos, expelidos principalmente na urina, estão se concentrando em rios e na água encontrada no subsolo. Taí um "efeito colateral" não previsto nas bulas.
O título irônico da reportagem do The Observer diz "Stay calm everyone, there's Prozac in the drinking water" [Fiquem todos calmos, há Prozac na água potável].
It should make us happy, but environmentalists are deeply alarmed: Prozac, the anti-depression drug, is being taken in such large quantities that it can now be found in Britain's drinking water.
Environmentalists are calling for an urgent investigation into the revelations, describing the build-up of the antidepressant as 'hidden mass medication'. The Environment Agency has revealed that Prozac is building up both in river systems and groundwater used for drinking supplies.
Por que será que tantos de nós recorrem a drogas lícitas e ilícitas?
A sociedade pós-industrial tem características interessantes, acompanhando a evolução tecnológica para diminuir cada vez mais o esforço físico dispendido na produção de bens (reservando-o aos cidadãos de segunda categoria, conforme bem salientou o Allan Robert em seu último post na Carta da Itália.)
Por outro lado, a indústria química (aí incluída a indústria farmacêutica) desenvolve produtos mais sofisticados e eficientes, numa promessa de felicidade plena, ausência de conflitos e de dor. "Prazeres imediatos" (imediato significa "sem mediação" do esforço, do trabalho, da busca, da espera, etc.) são o objetivo de tanto recurso às drogas (legais e ilegais). Eles proporcionam, imediatamente, a sensação de prazer, euforia ou desligamento do mundo - além de cortar as dores, físicas e espirituais: vide o aumento do consumo dos antidepressivos e ansiolíticos, maconha, extasy...).
Na esfera sexual, a facilidade para se terem relações sexuais -sem mediatização da côrte, da amizade, do namoro- faz com que as aproximações pessoais fiquem mais difíceis, paradoxalmente. A internet com sua oferta de "sexo-virtual" dá a ilusão tanto a homens e mulheres, principalmente jovens, de que gozar é ato puramente mecânico, basta o estímulo certo. "Dá trabalho chegar numa menina, convencê-la a ficar e, ainda por cima, corro o risco de receber um não", lamenta um jovem cliente.
Tenho observado aumento incrível de pacientes que já entram em meu consultório de Psiquiatria e Psicanálise com o explícito pedido: "Dr., quero que o senhor me receite aquele remédio que dá felicidade, o Prozac"!
É preciso relembrar aquelas palavras com que o velho Sigmund Freud, já em 1929, iniciava seu delicioso texto O mal estar na civilização:
O trabalho psicanalítico nos mostrou que as frustrações da vida sexual são precisamente aquelas que as pessoas conhecidas como neuróticas não podem tolerar. O neurótico cria, em seus sintomas, satisfações substitutivas para si, e estas ou lhe causam sofrimento em si próprias, ou se lhe tornam fontes de sofrimento pela criação de dificuldades em seus relacionamentos com o meio ambiente e a sociedade a que pertence. Esse último fato é fácil de compreender; o primeiro nos apresenta um novo problema. A civilização, porém, exige outros sacrifícios, além do da satisfação sexual.
Freud salienta que a felicidade completa, a ausência de sofrimento, de conflitos, de dores, de aborrecimentos e de sacrifícios é utopia legítima buscada por nós, humanos. Existem, entretanto, obstáculos intransponíveis: a fragilidade do corpo (dores, doenças, envelhecimento e Morte!), as incontroláveis forças da natureza (maremotos, terremotos, vulcões, furacões, enchentes, raios, etc.) e a pulsão agressiva, que habita cada um de nós.
Será que a solução está em beber a água-com-prozac da Inglaterra ou uma boa caninha?

08 agosto, 2004

Olha o trem!

No Dia dos Pais, nada como uma lembrança de algo que compartilhamos juntos, meu PAI e eu:
Nasci no interior de Minas, numa pequena cidade chamada Nova Era.
O trem-de-ferro compõe o cenário mágico das viagens (reais e imaginárias) de grande parte da minha infância, pois era a melhor maneira de visitar tios e primos. Alguns viviam ferrovia abaixo (CVRD), em Coronel Fabriciano. Outros, ferrovia acima (EFCB), em João Monlevade. De N.Era a Belo Horizonte eram 07 horas de viagem!
Duas lembranças fortes:
Primeira: a chegada do trem na estação: "Olha o trem!", berravam todos, diante daquele monstro de ferro, apitando e silvando os freios. Correria para pegar o melhor assento: "Eu na janela, eu na janela!" O apito do chefe-da-estação anunciava a partida e lá íamos, alvoroçados, deixando para trás a plataforma apinhada, os acenos de despedida e um frio enorme na barriga: uma aventura!
Segunda: o vendedor de comidas, cambaleando com o sacolejar incessante do trem, a oferecer sanduíches de "salame" com guaraná e maçãs enroladinhas naquele papel de seda azul claro. Como cheiravam! Raramente tínhamos maçãs em casa, portanto era uma festa só. Ah! e os biscoitos de polvilho? E o chacoalhar dos vagões? E os apitos que anunciavam ponte ou túnel?
Minha primeira grande saída de casa foi quando fui estudar no Colégio do Caraça: meu pai e eu, no trem, no tempo remoto de meus 11 anos... A cidade ficava lentamente para trás, o casario rareava e os campos se sucediam. O comboio sempre margeando o Rio Piracicaba ou outro qualquer. Os postes de telégrafo surgiam a tempo certo, com os fios fazendo uma enorme barriga, até novo poste, e outro, e mais outro, infinitamente.
Mais tarde, uma emoção estética: assisti à estréia do ballet "O último trem", com o grupo Corpo. Música de Milton Nascimento! Revivi tudo:
O tac-tatac das rodas de ferro marcava as emendas dos trilhos e servia de improvisado metrônomo para canções murmuradas a sós.
Meu pai trabalhava nos Correios e, ocasionalmente, conduzia as malas num compartimento especial, chamado Carro-Correio, no qual me levava, vez por outra - eu não teria de pagar passagem! Era mister certo cuidado, entretanto: "O chefe-de-trem não pode vê-lo!". Uma aventura|: eu e meu pai, meu pai e eu, contando as estações, descobrindo árvores, horizontes, rios e - sublime momento - cachoeiras! "Olha uma ali!", gritava quem via primeiro.
A volta para casa era plena de casos e, sempre, com uma preciosidade: maçãs para os meninos!

07 agosto, 2004

Da vicissitude à ventura

Desde 26jul não faço um post! Preguiça? Falta de inspiração? Nada disso: Pior! Simplesmente, fui parar no hospital Biocor, com uma cólica fdp, que pensava ser uma gastrite ou "ar preso" (se é que isso existe). Pesquisa daqui, revira dali, ultrasom, ressonância magnética, endoscopia, exames laboratoriais... internação hospitalar compulsória "para normalizar o fígado". Duas pedras (cálculos) habitavam e cresciam dentro de minha humilde vesícula biliar. Ah! tava explicado! Vamos para a cirurgia com o Dr. Júlio César, vulgo Julinho Sepultura (!) que seria ex-guitarrista do Sepultura, em seus primórdios, aqui em Belorizonte (década de 80). [Verdade? Mentira? Enviei um e-mail para a Banda perguntando isso.]
Pois bem, as danadas das pedras, especialistas em fazer-me doer todo, aumentar as transaminases e ficar hospitalizado por 10 (dez) longos dias, foram retiradas através de uma videolaparoscopia, sob anestesia geral e tudo!
Além do carinho da enfermagem, do cuidado especialíssimo dos médicos: Dr. Hélcio(meu "salvador da Pátria", mesmo!, Dra. Michele (sorrisos, sorrisos, sorrisos), Dr. Alexandre, Dr. Júlio, Dra. Adriana (endoscopia), outra Dra. Adriana (gastroenterologista), Dr. Leandro, Dr. Eduardo e Dr. Ronaldo, tive a felicidade da presença física e espiritual dos amigos Luciana(+ seu pai) e Cuca, Goretti e Cândido, JM Maciel e Cida, Sérgio e Adriane, Telma e Pimenta, Mariza, Beth Teixeira, Júlia, Maria Inês, Ione, Andreína, Ronaldo, Israel, D.Aparecida, Regina, Mary (a sogra de minha filha)...
Ah! Ana me lembrou e acrescento aqui a visita pessoal do colega dela, Thiago Zanini, pós-graduando em Paris, pasando férias aqui em Beagá e blogueiro. Alguns clientes, cujas consultas tive que desmarcar, telefonaram.
Do lado familiar, então, nem se fala: meus pais, Soié e Aparecida (presentes no dia da cirurgia) tia Zizina, tia Irani, "Tia" Zilah (visitou e levou rosquinhas!), meus irmãos (Clóvis com a esposa Consola estiveram no Biocor), Cléver, Ismael, Sheilinha (esteve lá, também), Ilídio, Jaques, Nélio e Boni (este último,presente no apartamento 757, de surpresa, após o ato cirúrgico). Rosa Ormy e Vicente, Gusmão (o sogrão), Gusmeire, Clarice... Quem não ficou sabendo estava igualmente do meu lado, tenho certeza!
Que segurança e emoção com a presença constante dos filhos Ana Letícia -assessora para assuntos gerais!- e o namorado Daniel (que veio de Macaé-RJ!) Ângelo e Leonardo, companheiros amorosos, conversando, vendo TV, lendo jornal, animando, brincando, acarinhando e "dormindo" comigo no hospital!
Finalmente, quem seria eu sem minha fada, minha deusa, minha
mulher de verdade!: Amélia! Companheira fiel, amiga, amada, amante, tudo tudo tudo: Lá estava Amélia: até se deitando no leito comigo, me dando calor, fazendo massagens, providenciando roupa, sabonete, barbeador... coisas tão triviais e tão importantes: sinal de vida, esperança, Amor!
Por tudo isso, digo, sem nenhuma dúvida: sou FELIZ!

26 julho, 2004

Querer não é desejar

Muita gente se expressa assim, quando algo não vai bem:"Queria tanto que tal acontecesse...". Nessas horas, cabe a pergunta: -"Queria mesmo?" Ou como aquele bordão antigo, num homorístico em que Jô Soares exclamava, irônico: -"Querias!". Quantos de nós respondemos a um convite, com a indefectível fórmula: -"Gostaria muito de ir.". Quando usamos a esfarrapada desculpa do "ah! esquecí-me!, nosso interlocutor nos olha com ar de desprezo ou ironia, como se dissesse: -"Arranja outra desculpa, ô meu!
Parece que sabemos, mesmo sem teoria alguma, que há uma diferença enorme entre DESEJAR e QUERER. O "querer" é algo consciente, dito abertamente ou não. Quero isso e não quero aquilo. O "desejar" mora em outro cenário, bem mais embaixo, lá no "porão" do inconsciente, e nem sempre é tão acessível. Pode até acontecer de a gente "querer" o que não se deseja e "desejar" algo que, conscientemente, negamos. Tratam-se de desejos inconfessáveis, socialmente incorretos, o dos quais nos envergonhamos.
Mas esse desejo é poderoso, tanto assim que, sem mais nem menos, cometemos um "ato falho": um esquecimento, um gesto, uma fala que nos traem, desnudando o que estava escondido (muitas vezes escondido até de nós mesmos).
Freud, o criador da Psicanálise, escreveu um livro sobre isso: Psicopatologia da Vida Cotidiana. Nessa obra, de linguagem elegante e acessível, ele ensina que o pensamento aparentemente mais sem sentido, o lapso mais casual, o sonho mais fantástico possuem um significado que pode servir para desvendar os segredos da mente. (Você não vai se arrepender de ler.)
O sofrimento de cada um se constitui, no fundo, no fundo, num conflito entre o "querer" e o "desejar", muitas vezes incompatíveis. A gente acaba aprendendo que vai ser necessário fazer algumas concessões, tanto de um lado quanto de outro, e que o fato de não se poder ter tudo não é o fim do mundo. Aliás, o "desejo" nunca se realiza completamente, estando o "objeto desejado" escorregando sempre para um mais além, o que, graçasadeus, sustenta o próprio desejo.
Nós não somos donos do nosso desejo, mas somos responsáveis por eles. Como nem sempre se coadunam "desejo" e "querer" mais os "laços sociais" que se tramam ou se desfazem de acordo com a cultura, ficamos por aí, "peregrinando neste vale de lágrimas" que é a nossa vida, pontuada de momentos felizes.... Agora, tem uma coisa: quase sempre, para não dizer sempre, somos presenteados de acordo com nosso empenho. Sem esforço, nada feito.

22 julho, 2004

Gênio incompreendido, idiota sábio ou "louco varrido"?

O psiquiatra Márcio Candiani, a propósito do meu post "Uvas Verdes, fez o seguinte comentário:

Cláudio... atendi hoje a um paciente no Cersam Noroeste que se acha um gênio incompreendido... mas ele é... fez medicina por 2 anos... engenharia e largou.. por um surto psicótico... Era epiléptico e apresenta um transtorno delirante agora. Mora no interior e veio pra BH tratar de uma depressão. Cara inteligentíssimo, com um QI certamente muito elevado. Como há gênios incompreendidos... a professora de Einstein dizia que ele era um idiota... parecia uma pessoa com dificuldade de atenção (ou autista de alto funcionamento?) com capacidade genial para cálculos... como você já leu nos livros de psiquiatria da infância...
 
Márcio, o tal paciente se julga um gênio incompreendido? Acho que o juízo (ou a falta de) do próprio sujeito é que o faz se identificar como "gênio incompreendido". Talvez ele seja um gênio "incompetente". Há inteligências brilhantes (vide os filmes "Shine" e "Uma mente brilhante") que não têm um suporte afetivo, relacional e comunicativo adequado. Se a pessoa, por ser psicótica, não consegue estabelecer laços sociais (o psicanalista diria: não entra no mundo do simbólico), ela terá muita dificuldade em alcançar algum reconhecimento. Aliás, o povo costuma dizer que "todo gênio é um louco". Será que isso procede?
Às vezes, a gente escuta isso: -"Cuidado, não estude tanto que você vai ficar doido." Ou: -"Fulano estudou tanto que pirou!"
Há casos interessantes de idiotas sábios, como o personagen de Tom Hanks em Forrest Gump ou o "autista" (Dustin Hoffman) de Rain Man. A Psiquiatria tem um diagnóstico para estes casos, a Síndrome de Asperger, aplicado aos portadores de um tipo de transtorno grave do desenvolvimento. Tais indivíduos, mesmo apresentando lacunas importantes na área afetiva e relacional, demonstram inteligência altamente desenvolvida para campos restritos do conhecimento. Sua linguagem costuma ser típica, com maneirismo verbais, rebuscamentos e utilização de vocabulário muito elaborado para a idade cronológica.   Alguns destes "idiotas sábios" (idiot-savant) decoram listas telefônicas, roteiros aéreos ou minúcias de paisagens, fazem cálculos matemáticos complicadíssimos em segundos, etc. Entretanto, seu relacionamento afetivo-social é muito comprometido. Será que se tornarão "gênios incompreendidos" ou "loucos varridos"?
Voltando ao tema do post "Uvas Verdes", o que o Alexandre Cruz Almeida criticava eram os inteligentes, bem dotados, não psicóticos nem idiotas sábios, mas que não venciam na vida por falta de esforço, preguiça, adiamentos sucessivos de tomadas de posição, protelações, procrastinações, etc. Em um determinado momento da vida, lá vêm eles com aquela ladainha: "Se me tivessem dado uma chance..." ... "Se aquele chefe não me tivesse dispensado...", etc. Aí, meu, o Alexandre termina assim: "O gênio incompreendido é péssima companhia." Eu digo: "Um saco!"

21 julho, 2004

Observatório da Imprensa publica PrasCabeças!

Achei mais do que bom o Observatório da Imprensa publicar meu post acerca da manchete obscura do Jornal Estado de Minas, em 16/7/04. Na verdade, enviei uma carta ao jornal mineiro, que não se dignou a responder nem a publicar. Pois o "Observatório" acolheu minha manifestação, que você pode ler aqui ou aqui.

Rosto de Gelo

Não sei quem é Roberta Wollen, mas tropecei com este poema e... gostei!
Não sei se é por causa de meu nariz gelado neste inverno siberiano que se abateu sobre Belo Horizonte ou porque conheço gente assim, "frio, calculista, rosto impassível" a esconder sentimentos.

Congelei meu rosto
para suportar o frio
que vem de fora de mim.
Fiz uma máscara risonha,
modelada com a dor
de disfarçar meus sentimentos.

E as pessoas me aceitaram,
apreciando o ruge e o batom,
a coloração do rímel nos meus olhos
cujo brilho sugere a umidade
de um pranto a querer-se insinuar.

Aceitaram até a palidez
que não pude esconder,
as rugas tensas da testa,
a escuridão do olhar.

E atrás do riso estridente
que irrompe alto e banal,
preso em represa
de estática energia,
debatem-se lágrimas revoltas
de uma revolta impossível,
formando uma barreira que
- até quando? -
me impede de sair deste lugar.

E essas lágrimas apagam a fogueira
que me incendeia o coração por dentro,
para que não derreta o gelo
tão duramente esculpido,
o gelo do meu rosto
que é como o mundo quer...

[Poema de Roberta Wollen]

20 julho, 2004

Rumo ao interior

Tenho lido no Caneta de Saia, blog do Carrazzoni(SP), sua opinião acerca de São Paulo, cidade em que mora. Entre outras causas das mazelas da grande metrópole, Carrazzoni, acertadamente, aponta o inchaço populacional, com o aporte incessante de migrantes, desde o final da década de 40, durante o processo de industrialização. Firmou-se em nossa cultura um preconceito contra o interior do Brasil, e das pessoas "da capital" contra o "interior".
Acho que isso nasceu na época do famigerado "Jeca Tatu", dos "caipiras"... Monteiro Lobato, o que escreveu o livro "Jeca Tatu", acabou se retratando acerca de sua descrição pejorativa do homem da terra, agricultor, em que apontava a "lerdeza" e a "preguiça", a fala arrastada, o raciocínio primário, a inércia que deixava o mato crescer ao invés de plantar para colher e comer. Alertado por  médicos sanitaristas, atentou para o fato de que os "jecas" eram assim por causa da subnutrição, dos maltratos pelos senhores das terras e pelas precaríssimas condições de vida. Lobato abriu a própria cabeça e  se transformou num defensor do "verdadeiro" Brasil, denunciando a expropriação dos pobres. Defendeu o "petróleo é nosso" e valorizou a "esperteza e sabedoria" do povo simples. Foi até preso pela polícia política do Getúlio.
Engraçado que, em Brasília, fala-se mal do "interior": por exemplo, quando alguém faz algo errado no trânsito, dizem: "Ô goiano!" O brasiliense, que mora no mais profundo interior do Brasil, bem no meio do cerrado, não se acha "do interior".
Aqui em Belo Horizonte, diante da direção arriscada ou de um descuido qualquer no trânsito, logo alguém grita: "Ô baiano!".
O que é o interior? De onde vem essa expressão? É lógico que tudo começou já no descobrimento do Brasil, com a criação de vilas e arraiais no litoral. São Vicente, São Sebastião do Rio de Janeiro, Illhéus, Porto Seguro, Olinda... estes foram os sítios mais bem estruturados. Pouco a pouco, com as descobertas de riquezas (pau-brasil,cana-de-açucar, ouro, café) a população deslocou-se para as montanhas, os altiplanos, subindo o curso de grandes rios (São Francisco, Rio Doce) e abrindo trilhas ("Estrada Real", por exemplo, de Paraty-RJ a Diamantina).
Mais recentemente, com a expansão da fronteira agrícola e agroindústria, implementação de parques industriais, mineração e metalurgia e, por último, incremento do turismo rural, nosso interior tem alcançado nível de qualidade de vida surpreendente, muito melhor do que nas degradadas metrópoles.
A cultura circula rapidamente através da TV, Rádio, estradas (ainda esburacadas... mas isto é outra história) e internet.
 

17 julho, 2004

"Uvas verdes"

Tenho visitado o blog do Alexandre Cruz Almeida, onde leio coisas bem interessantes. Ultimamente, ele tem comentado o fim de seu casamento. Fala abertamente das dificuldades enfrentadas e abre espaço para comentários dos leitores, muitos leitores. Alexandre fala de outros fracassos e do propósito de ser feliz, que não abandona. Selecionei uns pedacinhos de seu último post, muito pertinente e instigante:  
Os Uvas-Verdes e os Gênios Incompreendidos
O mundo é cheio de pessoas que escolheram não ser bem-sucedidas. Vocês devem conhecer alguém assim. Há o colega que tirou 5 na prova, mas tem certeza que teria tirado 10, se tivesse estudado - mas não quis. Há a dona-de-casa, com uma bela voz, que se tivesse seguido carreira hoje seria maior que a Maria Rita - mas preferiu criar 8 filhos no Grajaú. E por aí vai. São os uvas-verdes, pessoas blasé que nunca mergulham de cabeça em nada, que nunca se esforçam 100% para alcançar nenhum objetivo.
Assim, deixam sempre aberta a possibilidade de dizer: é, não consegui, mas a verdade é que nem tentei. Se tivesse tentado, teria conseguido, mas preferi minha vidinha.
Fracassos e Fracassos
Alguns de vocês sugerem que meu problema talvez seja não meu fracasso, mas meus objetivos. Não me considero um fracasso porque não sou rico, porque não sou bonito, porque não fui publicado, porque não vendi trolhões de livros, porque não tenho uma coluna no Globo, porque não ganho R$15.000 por mês, nada disso - apesar de serem todas coisas que eu gostaria muito. Me considero um fracasso por ter fracassado em alcançar dois objetivos relativamente simples: manter minha empresa e manter meu casamento.
Como não sou uva-verde, não posso nem me consolar dizendo que teria conseguido se tivesse me esforçado mais. Não. Eu dei 100%, me esforcei ao máximo, usei todos os truques. E, ainda assim, falhei. Por isso, estou me sentindo fracassado. Meu "fracasso" em alcançar objetivos não-importantes (nunca fui campeão de surfe) ou até mesmo objetivos importantes, mas para os quais eu não me esforcei (ter coluna no Globo), é absolutamente irrelevante.
O Gênio Incompreendido
O mundo também é cheio de gênios incompreendidos. Vocês devem conhecer alguns. Por definição, o gênio incompreendido tem mais de 30-35 anos. É fácil perceber porquê. Quando o cara tem menos de 30, ele ainda não se acha incompreendido: só gênio. Ele é gênio, sabe que é gênio, sua genialidade só ainda não estourou porque ele é muito novo, ainda é cedo, o mundo ainda vai ouvir falar muito dele. O sujeito apenas se torna um gênio incompreendido com o passar do tempo, a medida em que nada acontece, ele não estoura, o mundo não ouve falar nele. Então, ao invés de reconhecer que ele não é gênio coisa nenhuma, o indivíduo conclui que o mundo não o compreendeu, que o mundo não o merece, que ele está a frente de seu tempo.
Na verdade, não acho que esse é um modo intrinsicamente errado de se encarar a situação. Por um lado, há a real possibilidade de ele ser mesmo um gênio que o mundo não percebeu - Bach, Kafka, etc. Por outro, acredito mais em felicidade do que na verdade: de que lhe adianta encarar uma verdade - sua total incompetência - que só vai lhe trazer tristeza? Melhor ser feliz na crença de sua genialidade não-compreendida.
Infelizmente, raros são os gênios incompreendidos felizes: quase todos chafurdam na amargura e na inveja com a mesma sofreguidão com que porcos chafurdam na lama.
Pior que fracassado, o gênio incompreendido é um amargurado. O erro foi do mundo, não dele. E como o mundo é um adversário grande demais, o tipo de amargura do gênio fracassado leva à imobilidade e ao rancor. Para que lutar, se o mundo está contra mim? Para que produzir, se o mundo é incapaz de entender minha mensagem? Melhor ficar pelos bares, bebendo cerveja e destilando veneno contra o establishment cultural. A princípio, alguns são até fascinantes, mas é ilusão. O gênio incompreendido é péssima companhia.
Eu gostei muito disso tudo aí de cima. E você?

16 julho, 2004

What is this?

Embora embebido pelo temor de ser tachado de xenófobo, anglófobo, purista ou ranzinza, não posso deixar de opinar acerca da manchete de hoje (16.jul.2004) de alguns jornais brasileiros, dentre os quais o Estado de Minas: "Ranking da ONU vira briga entre Lula e FHC". A utilização de termos estrangeiros é um recurso legítimo em toda e qualquer língua, uma vez que há palavras intraduzíveis ou tão conhecidas que vão sendo assimiladas e enriquecem o vocabulário. Certas traduções, é verdade, forçam a barra, tal como os lusitanos fazem com termos da computação: empregam rato ao invés de mouse, por exemplo. Outros povos igualmente se utilizam de termos portugueses (ou brasileiros), quando não há equivalente ou para transmitir o espírito próprio original. Pois bem, a manchete (do francês, manchette, que pode significar título de notícia, notícia principal e modalidade de receber a bola, no voleibol) traz a palavra ranking (do inglês, rank = fila, fileira, classe. Daí: ranking: classificação, placar, etc.). Minha implicância (má vontade; quizila, embirração, birra) vem da suposição de que uma importante notícia deveria ser transmitida  claramente, inteligível à maior parte dos prováveis leitores. O tal Índice de Desenvolvimento Humano, fator da suposta discórdia entre assessores - e não entre o atual Presidente com seu antecessor - restou obscurecido. Creio que muitos alfabetizados passaram os olhos rapidamente sobre o sujeito da oração (ranking) e foram logo atraídos para o complemento (briga entre Lula e FHC). Se essa foi a intenção do Editor, sobrou-lhe sutileza, pois pode ser mais interessante discutir as brigas entre poderosos que levar os leitores a se concientizarem do baixíssimo nível de desenvolvimento e suas causas. Caso contrário, acho que foi um anglicismo desnecessário.

14 julho, 2004

O melhor e o pior daqui

Várias pessoas vivem falando em sair do país, mudar de cidade, ir para o interior. Elogiam cidades distantes; ou, ao contrário, as comparam com Belo Horizonte e dizem que aqui é muito melhor. Sem pensar muito, deixando virem as imagens, aqui vai minha lista.
Adoro:
1.O clima
2.Praça JK
3.Mercado Central
4.Pampulha – Mineirão e Museu de Arte
5.Palácio das Artes
6.O horizonte, as montanhas, a vista do alto
7.Barzinhos e Restaurantes mil
8.Comida: Pão-de-queijo; feijão-tropeiro
9.Café-do-Museu
10.Livraria Status
Detesto:
1.A desigualdade social, com suas conseqüências óbvias
2.Flanelinhas (“guardadores” de carros)
3.Pedintes, panfleteiros e malabaristas em toda esquina
4.Pixações
5.Briga de torcida (Galo x Cruzeiro)
6.Descaso com as calçadas, principalmente nos bairros
7.Feiúra de tudo que não é bem cuidado
8.Abundância de esquinas e conseqüente abundância de semáforos
9.A construção de metrô mais lenta do mundo
10.Os fiscais do BHTrans, multando, multando, multando
É acabar de fazer as listas e logo aparecem mais 20 coisas que adoro e que detesto.... Fica pra outra.

13 julho, 2004

Pão, o vilão

Segundo a Revista Americana de Nutrição Clínica, American Journal of Clinical Nutrition, o pão-de-forma branco é um dos fatores principais para o aumento da barriga daqueles que o consomem. A notícia publicada pela BBC informa que "os pesquisadores avaliaram cinco diferentes estilos de dieta, cada uma delas tendo um tipo de comida como principal alimento. Participaram do teste 459 homens e mulheres em bom estado de saúde.
De todos eles, aqueles que tiveram a dieta à base de pão de forma branco foram os que ganharam mais circunferência na linha da cintura.
Em um ano, tiveram um aumento médio de um centímetro na medida da cintura, três vezes mais do que o registrado pelos que tiveram uma dieta mais saudável à base de comidas integrais e pão preto."

É lógico que "não só de pão vive o homem", mas todos sabemos que comer alimentos ricos em carbo-hidratos (massas, doces, pães, bebidas alcoólicas) e gorduras (queijo gordo, carnes gordas, etc) é o caminho mais curto entre uma cintura fina e uma pança rotunda.
O pior é o trabalho que dá "perder" barriga! Além da reeducação alimentar, haja caminhadas, corridas, musculação, abdominais, plásticas e um milagrezinho do santo padroeiro.

12 julho, 2004

O sermão de Bill Gates - será?

Conta a lenda, com o título: Bill Gates authored a list of 'Rules Kids Won't Learn in School.' que o dono da Microsoft teria sido convidado a falar sobre o sucesso e de quais seriam as regras para vencer na vida. Gates teria formulado as seguintes regras:
O que as crianças não aprendem na escola
Segundo Bill Gates :
1 : A vida não é fácil, acostume-se com isso.
2 : O mundo não está preocupado com a sua auto-estima. O mundo espera que você faça alguma coisa útil por ele ANTES de você sentir-se bem com você mesmo.
3 : Você não ganhará US$ 40.000 por ano assim que sair da escola. Você não será vice-presidente de uma empresa com carro e telefone à disposição antes que você tenha conseguido comprar seu próprio carro e telefone.
4 : Se você acha seu professor rude e chato, espere até ter um chefe. Ele não terá pena de você em nenhuma circunstância. Você será cobrado o tempo todo.
5 : Fritar hambúrgueres, cortar grama ou lavar carros não está abaixo da sua posição social. Seus avós têm uma palavra diferente para isso: eles chamam de "oportunidade".
6 : Se você fracassar, não é culpa de seus pais, então não lamente seus erros, aprenda com eles.
7 : Antes de você nascer seus pais não eram tão chatos como são agora. Eles só ficaram assim por pagar as suas contas, levar você à escola, lavar suas roupas, fazer comida para você e ter que ouvir você falar o quanto você é legal.
Então, antes de salvar o planeta para a próxima geração, querendo consertar os erros da geração dos seus pais, tente limpar seu próprio quarto, lavar seus talheres e ser mais amável com sua mãe.
8 : Sua escola pode ter eliminado a distinção entre vencedores e perdedores por imposição da Associação de Pais, Alunos e Mestres, a vida não é assim, ela sempre fará esta distinção.
Em algumas escolas não se repete mais o ano letivo , e o aluno tem quantas chances precisar até acertar. Isto não se parece absolutamente em nada com a vida real.
A vida não é dividida em semestres. Você não terá sempre os verões livres e é pouco provável que outros empregados o ajudem a cumprir suas tarefas no fim de cada período.
09 : Televisão não é vida real. Na vida real, as pessoas têm que deixar o barzinho ou o clube e ir trabalhar.
10: Seja legal com os " Nerds": Existe uma grande probabilidade de você vir a trabalhar para um deles.
Sejam ou não do Bill Gates, essas palavras parecem conter alguns corolários lógicos, ou não?
Obs.: Crédito deste post:
Físico Cínico. Mais detalhes sobre o assunto em:Urban Legends.

10 julho, 2004

ExpoCachaça: alto astral

Realiza-se neste final de semana a 7a. ExpoCachaça, feira anual de produtores de cachaça, pinga, água-que-passarim-não-bebe, caninha, "da boa", e outros mil sinônimos, como nos ensina o sábio Aurélio:
Cachaça: Aguardente que se obtém mediante a fermentação e destilação do melaço. [Sinonímia: abre, abrideira, aca, aço, a-do-ó, água-benta, água-bruta, água-de-briga, água-de-cana, água-que-gato-não-bebe, água-que-passarinho-não-bebe, aguardente, aguardente de cana, aguarrás, águas-de-setembro, alpista, aninha, arrebenta-peito, assovio-de-cobra, azougue, azuladinha, azulzinha, bagaceira, baronesa, bicha, bico, birita, boa, borbulhante, boresca, branca, branquinha, brasa, brasileira, caiana, calibrina, cambraia, cana, cândida, canguara, canha, caninha, canjebrina, canjica, capote-de-pobre, catuta, caxaramba, caxiri, caxirim, cobreira, corta-bainha, cotréia, cumbe, cumulaia, danada, delas-frias, dengosa, desmancha-samba, dindinha, dona-branca, ela, elixir, engasga-gato, espírito, esquenta-por-dentro, filha-de-senhor-de-engenho, fruta, gás, girgolina, goró, gororoba, gramática, guampa, homeopatia, imaculada, já-começa, januária, jeribita ou jurubita, jinjibirra, junça, jura, legume, limpa, lindinha, lisa, maçangana, malunga, malvada, mamãe-de-aluana ou mamãe-de-aruana, mamãe-de-luana, mamãe-de-luanda, mamãe-sacode, mandureba ou mundureba, marafo, maria-branca, mata-bicho, meu-consolo, minduba, miscorete, moça-branca, monjopina, montuava, morrão, morretiana, não-sei-quê, óleo, orotanje, otim, panete, parati, patrícia, perigosa, pevide, pilóia, pinga, piribita, prego, porongo, pura, purinha, quebra-goela, quebra-munheca, rama, remédio, restilo, retrós, roxo-forte, samba, sete-virtudes, sinhaninha, sinhazinha, sipia, siúba, sumo-da-cana, suor-de-alambique, supupara, tafiá, teimosa, terebintina, tira-teima, tiúba, tome-juízo, três-martelos, uca, veneno, xinapre, zuninga.]Pois estamos chegando de lá, quase tontos, eu, Amélia, AnaLetícia e Daniel. Passamos 4 horas peregrinando de stand em stand e provando da quebra-guela, prá não fazer desfeita com os expositores. Gente da boa, atenciosa, animada, alegre, risonha e franca. Êta povo bão, sô! Prá começar, um desfile com a Russo Jazz Band:
. Prova daqui, prova dali, a gente vai conhecendo gente boa. A Daniela, debutando com sua Prosa&Viola foi logo nos presenteando com uma garrafa da boa:
. Outra purinha que a gente provou -e adorou!- foi a Rainha das Gerais, produzida em Curvelo, portão do sertão mineiro, terra do casal de "cachaçólogos", José Carlos & Maria das Graças, que virou os olhinhos abraçando o filho:
. A feira é uma festa que ninguém pode perder! Foi montada na Serraria Souza Pinto, um velho galpão construído nos primórdios da capital mineira, totalmente remodelado para eventos de alto nível. Tão alto, que não resisti e fiz pose com a dupla Lula&Palocci. Prá não dizer que é conversa de bêbado, aqui está a foto:

06 julho, 2004

Festa no interior

Meu irmão Clóvis, dublê de engenheiro e psicodramatista, acaba de me enviar uma história das boas, coisa típica de mineiro. Imagine a cena: à noite, assentados no caramanchão de seu sítio no Retiro do Chalé, irmãos, esposas, cunhadas, sobrinhos, filhos... cada um de nós contando o "causo" mais pitoresco, e vem o Clóvis com este aqui:
-"Vamos para Jaboticatubas?", perguntei. -"Vamos, a gente chega lá, faz uma "patela" cozida no fogão de lenha, com mandioquinha e outras guloseimas, uma pinguinha do "Sô Cazinho", e no domingo a gente volta", foi a resposta.
O convite veio rápido, a resposta mais depressa ainda, e rapidinho estávamos em Jaboticatubas.
Retiramos os excessos de gorduras e nervos da patela, chama crepitando no fogão à lenha, panelas de pedra e de ferro aquecendo a água e cozinhando a mandioca, tempero caseiro (da roça mesmo!) e ... aquele cheirinho delicioso de comida da roça, cachacinha pura de primeira, papo legal, com D. Luzia, Clé, Cristiane, Carmen, Ludmila, Antônio, outros, eu e Consola, curtindo um início de noite super agradável, à beira do fogão de lenha.
-"Vamos ao aniversário do Daniel? O Daniel do buffet", alguém falou. -"Olha, eu acho que não vou, pois não fui convidado!", respondí. -"Pode ir sim, todo mundo da cidade está convidado, e os visitantes também!", explicou. -"Mas primeiro vai ter missa de São Benedito, procissão, reza no terreiro da casa dele, e depois comida à vontade", esclareceu o André.
D. Luzia falou: -"É isso mesmo, ele fez uma promessa para São Benedito curar a esposa dele, São Benedito curou, e todo ano ele dá a festa para todo o povo. Já é o sétimo ano consecutivo, quem quiser pode ir..."
E lá fomos nós. Primeiro à missa na Igreja Matriz. São Benedito sendo homenageado, cânticos especiais, e o Daniel, agradecendo as graças alcançadas e convidando todo mundo para a sua festa.
-"Agora estou oficialmente convidado", comentei com Consolação. -"Então também vamos".
Acompanhamos a procissão até à casa do Daniel. No caminho, orações, banda de música, foguetes. Chegando lá, um altar especial para São Benedito, mais orações, cantos religiosos, danças (camdoblé) em sua homenagem, velas, agradecimentos e mais promessas. Num mastro, no terreiro da casa do Daniel, foi içada uma pintura de São Benedito, mais uma homenagem do povo, que realmente tem fé!
Toda a rua reservada, somente para os convidados, com várias barraquinhas: canjica, caldo de feijão, caldo de mandioca, quentão, bolos e doces. Tudo por conta do Daniel... Fogueira (mais ou menos 2,5 m de altura) no meio da rua (no meio da festa) aquecendo todas as pessoas que quiseram participar. E, acreditem, não ví nenhum empurrão, nem uma baderna. Tudo na mais perfeita paz. Os garçons, com as bandejas de bolo, broas de fubá, copos com canjica grossa, quentão, caldos, oferecendo para todos. E todo mundo comendo, se fartando de felicidade. Um bolo de 4m de comprimento esperava a hora do parabéns para ser servido aos convidados. Após às homenagens merecidas a São Benedito, em um palco, algumas apresentações artisticas, músicas e canto.
"Vamos embora? Já são mais de 23h, o parabéns só vai ser cantado mais tarde, e tem uma "carninha" deliciosa esperando a gente lá em casa". "E o bolo?". "Fica para o próximo ano...".
E voltamos para casa, para saborear a deliciosa cachaça do "Cazinho", a patela quentinha e o calor do fogão de lenha. E depois de agradecer pelo dia maravilhoso, um bom sono de felicidade!

05 julho, 2004

Festa do Vicente

Hoje é aniversário do cunhado Vicente Camilo. Cunhado é isso: começamos a namorar as irmãs Rosa e Amélia quase na mesma época. Vicente, estudante de Engenharia. Eu, na Medicina. Passeios juntos não faltaram. O grande e emocionante passeio, quase fugido, foi à praia, Guarapari-ES, distante 500km de Belorizonte! Um fuscão verde, varando as estradas, serpenteou pela encaracolada BR-262, subiu a Serra dos Aimorés (onde fica o Pico da Bandeira) e desceu ao litoral. Após aquela distância toda, eis três mineirinhos (eu, Amélia e Rosa) desfilando nossa branquice, enquanto o Vicente, moreno alto, bonito e sensual, chegara já "no ponto".
Alugamos um apartamento num famoso edifício com "varandas de fora-a-fora". Desempacotamos roupa de cama e corremos para fazer o supermercado: cerveja, refri, presunto, queijo e pão. Pronto! Com a despensa bem fornida, era hora de correr prás areias monazíticas (seja lá o que for isso). Bem, Amélia e Rosa foram pegar uma cor enquanto os barbados no barzinho, à sombra, enxugávamos garrafas. Nem precisa dizer que, à tardinha, eram camarões tostados, sem poder encostar... inda bem que passou logo e ainda restavam uns dias...
Hoje, séculos depois, estamos aqui saboreando pão-de-queijo recheado com pernil assado, vinho, cerveja, lembranças e muito riso. A torta recheada de creme de coco, branquinha como neve, dormita sobre a mesa, à espera do ataque. O tempo passa, mas recordar é viver!

04 julho, 2004

A excomunhão do cronista

A "censura" do Jornal Estado de Minas a tantos quantos discordam do governo "em exercício" se materializou na omissão do artigo do cientista político Fenando Massote, reproduzido aqui no post de ontem, e culminou com sua exclusão do quadro de colaboradores. Após mais de 20 anos nas páginas do diário, eis que recebo a seguinte mensagem:
Crônica de uma morte anunciada
(A imprensa garroteada pelo Estado em Minas Gerais)
Os leitores que por anos me acompanharam às sextas-feiras, na página de opinião do Estado de Minas, foram tomados de surpresa no dia 02 de julho p. passado, quando o meu último artigo - A Última Batalha de Brizola - não foi publicado. Disseram-me que a cadeia dos Diários Associados nada queria publicar a favor de Brizola. Mas a direção do jornal não se limitou a recusar o artigo. Ela me declarou “persona non grata” depois de 23 anos de colaboração tendo, nos últimos anos, regularidade semanal e quinzenal.
O fato é que minhas relações com o Estado de Minas prosseguiam tensas - por razões políticas - desde a campanha política de 2002. O então candidato do PSDB Aécio Neves e seu staff de campanha, manifestamente, não gostavam de meus artigos. Para comprovar isto – já que nada tenho contra a pessoa do governador que não tive ainda o prazer de conhecer pessoalmente - abro aspas para publicar trecho de uma carta do Sr. Robson Damasceno dos Reis, chefe do comitê de imprensa do candidato Aécio Neves, enviada ao EM e publicada em 19.09.02.
“... artigo (do prof. Fernando Massote) da edição de 6/09/2002, então, é um primor de propaganda explicita e ofensiva contra o candidato Aécio Neves".
JK e Tancredo não teriam, absolutamente, subscrito o envio desta carta. O artigo que o Sr. Robson, a mando de Aécio Neves, incriminou nos termos acima, foi publicado no EM sob o título “Oh, Minas Gerais!”. Eis o trecho que mais provocou a ira de então candidato:
“Um candidato a governador que é apresentado como "jovem e bonito" na melhor linha do marketing comercial é o mais direto filho do passado (...) Na falta de qualquer militância política própria ele se sustenta, prodigiosamente, como se vê, como filho político do avô, Tancredo Neves!”.
Este artigo – que não teria sido publicado pelo EM depois da posse de Aécio - repercutiu nos programas de TV durante a campanha. Mas a ojeriza do governador pelos meus artigos não é, assim, tão recente.
Na noite de 15 de maio de l999, vendendo a casa que tinha em Nova Lima, a uma quadra da minha residência, o então presidente da Câmara dos Deputados, Aécio Neves, reuniu ali centenas de convivas para uma festa que fechou o bairro. O barulho infernal dos aparelhos de som dominou o ambiente das 20h. De sábado às 9h. de domingo.
Protestei, então, pelo fato, em defesa da cidadania publicando em l9.05.1999, no EM, o artigo Viva o Barulho, em que escrevia:
“Procuraremos a justiça contra o deputado, mas a sua defesa é praticamente insuperável: ele tem imunidade parlamentar que reforça a impunidade”.
Em 25.09.03, reagindo à onda de repressão contra a liberdade de imprensa advinda do Palácio da Liberdade, publiquei – na A Gazeta (ES), no Correio da Cidadania, de Contagem e aqui, no Proposta – o artigo Paixão e Ambição, também censurado pelo EM. estabelecendo uma comparação entre o avô, Tancredo Neves e o neto.
“Não cabe, portanto, comparação entre o avô e o neto já tão divididos pela distância entre seus dois mundos. A diferença começa no palanque onde o avô se comportava como um artista e onde Aécio gosta de agir como o chefe, atento a todos os detalhes e preocupado em determinar quem deve ou não falar!... A discrepância não se limita, enfim, aos palanques. Nos últimos dias correram notícias (...) de demissão e remoção de jornalistas de órgãos da mídia. O antigo respeito pela imprensa (...) que impregnava o velho PSD liderado por Tancredo Neves parece, assim, ser considerado hoje demodée por novos políticos mais controlados pela ambição do que pela paixão”.
Na mais recente entrevista do nº 09 do jornal Proposta com o presidente do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, Aloísio Lopes, foram feitas criticas ao jornal de ser subserviente, sempre, ao governador de turno. Participei da entrevista como membro do Conselho Editorial do jornal. Foi este o álibi de que a direção do Estado de Minas se utilizou para transformar-me em objeto da sua vendetta e declarar-me “persona non grata”.
Despeço-me aqui (sem poder recorrer nem mesmo à secção de cartas do EM) portanto, dos leitores do EM, depois desta dispensa abrupta, sem comunicação alguma por parte do jornal. O EM não respeita seus funcionários, seus colaboradores e seus leitores. Ele se pauta sempre pela vontade política do governador “em troca do que dele recebe”.
Nesta situação, a luta pela liberdade de imprensa deve obedecer a um planejamento político consciente, crítico e amplo para defender e ampliar os espaços de cidadania de que dispomos atualmente. Não faço, com as minhas posições inarredavelmente democráticas, catarse pessoal, politicamente irresponsável e imprevidente das reações autoritárias que deverei enfrentar. Nunca cutuquei a onça com vara curta e sempre estive preparado - intelectualmente, moralmente, politicamente e materialmente - para reagir aos atos autoritários que critico.
Esta não é, no entanto, a situação da grande maioria dos jornalistas, em um mercado de trabalho sempre mais restrito e mal remunerado. Seus patrões e governos - como o de Minas Gerais - querem mantê-los sob o império do medo. Aí está toda a importância das tomadas de posição corajosas do atual presidente do Sindicado dos Jornalistas, Aloísio Lopes. A defesa dos jornalistas contra o autoritarismo das empresas e do governo Aécio Neves se confunde com os interesses do próprio desenvolvimento democrático da sociedade.
Conheça melhor o Fernando Massote.

03 julho, 2004

A Santificação de Brizola

Fernando Massote, professor de Ciências Políticas na UFMG, de renome internacional, publica no maior jornal de Minas, o Estado de Minas, comentários sempre pertinentes, às vezes irônicos, perfunctórios e mordazes. Seus estilo, muitas vezes querelante, não transige frente ao comodismo dos arranjos (ao contrário do mineiro "come-quieto", morde e grita, se preciso for). Os muitos e fiéis leitores, às sextas-feiras, abriam direto na página de "Opinião" para conferir. Lá estava o Massote! Por razões não reveladas, o EM restringiu-lhe a frequência para quinzenal. Finalmente, nesta última semana, cadê o artigo do Professor? Em seu lugar, lá estava o ex-presidente Sarney, com uma insossa prosopopéia. Cadê o professor? Por intermédio de amigos, recebi uma cópia da crônica censurada. Confira aqui e divulgue!

A última batalha de Brizola
As elites - udenistas e udenistizadas - viram Brizola partir com alívio. E ensaiaram, com Sarney e outros, um adeus isento, procurando enterrá-lo definitivamente, sem apelo nem sobrevida. Pura retórica e literatura decadente de velhos conservadores correndo, sempre - sem alcançá-lo nunca - atrás do trem da história! Procurando cancelar o que Brizola teve de mais característico – uma grande causa à qual sempre permaneceu fiel - Sarney o apresentou, num artigo recente, como um eterno espadachim “que não escolhe a causa e o lado quando se põe na raia”. Um herói sem causa!...
Lênin denunciou, certa vez, esta manobra, afirmando que “quando morremos, os inimigos nos transformam em santos!” Os santos são (ou foram), em geral, heróis que tiveram uma causa bem terrena, como Jesus na sua luta contra o Império Romano, mas dela foram desvinculados pela ressurreição/beatificação da igreja católica que corta as amarras com os grupos sociais ou nacionais que lhe deram origem!... Instituição interclassista e cosmopolita muito ciosa de si mesma, a igreja não aceita concorrência e cancela, na história dos seus santos, as marcas das suas origens sociais e nacionais.
Foi sempre do mesmo modo que as elites udenistizadas trataram Brizola: como um herói sem outro compromisso que com o próprio temperamento exaltado e as próprias alucinações. “Já que herói importante ele é - do povo e não nosso –“ cogitavam e cogitam sempre, os conservadores, permanentemente amedrontados pela luta popular: “procuremos impingir, colar em seu rosto, um dístico historicamente desvirilizante, para ver se pega e dar-lhe uma morte definitiva: “herói sem causa”. Ou santo. Um ser sem qualquer energia histórica.
Desmentindo Sarney, a militância brizolista, rouca pela intensa vaia ao presidente que virou as costas à promessa – de mudar o Brasil – pela qual foi eleito, demonstrou que mesmo do além, Brizola continuou e continuará a inspirar os que se apaixonam pelos destinos democráticos do Brasil. Para não prolongar a vaia, Lula não pôde permanecer no local mais do que cinco minutos!...
Brizola pôde, assim, tendo passado pelo purgatório histórico-político, partir imune, histórica ou moralmente ileso, escapando e sobrevivendo, definitivamente, às tocaias e laços insidiosos com que seus inimigos sempre procuraram liquidá-lo. Derrotando as últimas manobras oligárquicas contra o líder que, parodiando a carta testamento de Getúlio, “deixava a vida para entrar na história”, o povo, entristecido ao dar-lhe o último adeus, agitava o lenço ensopado com as lágrimas de quem perdeu mais um dos seus heróis mais verdadeiros. (massote@massote.pro.br)
O pensamento político e as crônicas podem ser conferidas no site
Fernando Massote.

28 junho, 2004

O intraduzível

Este post vai pro paraense Marcus Pessoa, que escreveu: "o mito da saudade não tem idade". Visitando seu blog, pensei:
Há sentimentos e experiências que podem ser consideradas "inenarráveis", uma vez que só se pode ter noção do que se trata se a pessoa passar pela mesma situação. Mesmo assim, cada pessoa é única e singular e, em última instância, as palavras que vier a utilizar serão sempre coloridas pela sua particularidade. Mesmo aqueles vocábulos (os "nomes comuns" ou "substantivos comuns") que nomeiam objetos cotidianos, ao serem utilizados por alguém ou ao se intrometerem no discurso carregam significados pessoalíssimos, construídos ao longo da vida de cada um de nós. É mais ou menos isso que J.Lacan afirma quando diz que um significante (uma palavra qualquer, um signo, um traço) tem inúmeros significados [ S/s1,s2,s3... ]. Um exemplo óbvio seria a palavra "mãe", que, embora esteja associada indelevelmente à experiência pessoal de cada um com aquela entidade que nos gerou, ou cuidou, ou adotou, ou amparou, ou acarinhou... ou... ou... tá vendo? "mãe" são muitas, infinitas e, ao mesmo tempo, "mãe é uma só!": a minha!
Assim, cada palavra (=significante) tem significados múltiplos que se sucedem numa cadeia infindável.
Por isso mesmo podemos afirmar que a linguagem (a língua, qualquer língua) é insuficiente para dizer tudo o que se quer dizer! Haverá sempre um resto, um indizível, um inenarrável (palavra danada de bonita, essa). Os poetas são aqueles que, ao se apropriarem das palavras, fazem delas sua matéria prima com que conseguem exprimir as mais recônditas emoções, surpreendendo-nos com achados tão originais que se transformam em arte. E por falar em poesia, leia este post aqui, antigo e sempre novo!.
Agora, imagine só quando pulamos de idioma em idioma, onde o contexto cultural (tempo, espaço, geografia, história, etc.)varia desmedidamente. Surge o problema da tradução: traduttore tradittore (o tradutor é um traidor).
Pelo Marcus Pessoa cheguei ao site da BBC no qual o correspondente brasileiro em Londres, Ivan Lessa, comenta o resultado de uma pesquisa britânica acerca das palavras mais difíceis de serem traduzidas. Nossa "saudade" ficou em sétimo lugar:
1. Ilunga (tshiluba) uma pessoa que está disposta a perdoar qualquer maltrato pela primeira vez, a tolerar o mesmo pela segunda vez, mas nunca pela terceira vez.
2. Shlimazl (ídiche) uma pessoa cronicamente azarada
3. Radioukacz (polonês) pessoa que trabalhou como telegrafista para os movimentos de resistência o domínio soviético nos países da antiga Cortina de Ferro
4. Naa (japonês) palavra usada apenas em uma região do país para enfatizar declarações ou concordar com alguém
5. Altahmam (árabe) um tipo de tristeza profunda
6. Gezellig (holandês) Aconchegante
7. Saudade, segundo o "Aurélio-SéculoXXI"=Lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhada do desejo de tornar a vê-las ou possuí-las; nostalgia;pesar pela ausência de alguém que nos é querido.
8. Selathirupavar (tâmil, língua falada no sul da Índia) palavra usada para definir um certo tipo de ausência não-autorizada frente a deveres
9. Pochemuchka (russo) uma pessoa que faz perguntas demais
10. Klloshar (albanês) perdedor

Ah! olhaqui: 'saudade' também é nome de flor, de acordo com o mesmo Aurélio: Designação comum a diversas plantas da família das dipsacáceas, principalmente da espécie Scabiosa maritima, e às suas flores; escabiosa, suspiro: "E ela deu-lhe do seio uma saudade / Murcha, e no entanto bela" (Gonçalves Dias, Obras Poéticas, II, p. 98).

27 junho, 2004

A verdade real

Um monarca nunca permitia que lhe fizessem o retrato. Finalmente, cedeu aos pedidos do filho para que, antes de falecer, deixasse sua imagem à posteridade. Impôs, entretanto, uma condição: caso não aprovasse a obra, executaria o artista! Três píntores se dispuseram a arriscar o próprio pescoço.
O primeiro retratou o monarca tal e qual, com o narigão enorme e tudo. O rei, diante do quadro, embora admirando o gênio artístico, enfureceu-se com a figura horrenda e mandou enforcar o infeliz artista.
O segundo, apesar de temeroso, pintou o rei fielmente, com exceção do aberrante apêndice nasal, em cujo lugar colocou irrepreensível narizinho. O soberano, sentindo-se ridicularizado, condenou o pintor à pena capital, sem comiseração.
Chegou, a vez do terceiro. Habilidoso, conhecendo a paixão real pela caça, retratou o soberando portando um arco, a atirar numa raposa. O antebraço na arma tapava-lhe justamente o nariz. Diante do trabalho, o monarca sorriu satisfeito e recompensou o artista generosamente.
Alguém comentou:
- Há várias formas de se falar a verdade:
A primeira é a franqueza rude, contundente, que não hesita em expor toda a realidade dos fatos, doa a quem doer. Os partidários dessa atitude podem revelar o mérito da coragem e do desinteresse, mas tiram nota zero em relações humanas.
A segunda é a hipocrisia interesseira. Os deste grupo podem revelar inteligência e engenhosidade para distorcer os fatos, a fim de agradar aqueles a quem desejam conquistar.
A terceira é a dos partidários da verdade construtiva, evidenciando o que é útil, edificante, e elegante, omitindo sutilmente os aspectos menos agradáveis da vida do próximo.

Aqui vai um poema do Carlos Drummond de Andrade: Verdade.

25 junho, 2004

Minha Casa

Fiquei lisongeado pelo que fez e disse o paraense Marcus Pessoa, de Belém, que confessa ter feito um post inspirado no meu Mundo Sacudido. Olha o que ele disse: "O Cláudio Costa, do blog Pras Cabeças, publicou uma foto de satélite da praia de Ipanema, a propósito de falar do site Apolo 11, que divulga dados interessantes sobre geografia e astronomia. Eu, invejoso que só, resolvi postar aqui essa imagem de minha querida cidade, Belém." Pois então, vejam aqui a foto de minha casa (!)[na coluna da esquerda, clique em localizar bairro e digite "Gutierrez"], tirada de não sei quantos metros de altura, por uma firma de aerofotogrametria (ufa!), que tem um site muito legal, com fotos de toda a área metropolitana de minha cidade.

22 junho, 2004

Mundo sacudido

Ontem e hoje (até agora), houve 13 (treze) terremotos no mundo, a maioria de pequena intensidade. Isso acontece sem parar! E nós, aqui, heim? Deitado eternamente em berço esplêndido... será que precisamos de uns terremotinhos (ou terremotozinhos?) prá sacudir a poeira, vestir uma camisa amarela e sair por aí? Quer saber onde tem terremoto, vulcão, ciclone e outras sacudidas, agora mesmo? Entre Apolo11. Tem previsão do tempo e umas fotos muy lindas, como essa aqui,
da Praia de Ipanema, vista do espaço (e nós aqui, num frio de gelar os ossos!)Dá prá ver a Lagoa Rodrigo de Freitas, Leblon, etc.

Acredite se quiser

1) As mulheres já têm a solução definitiva para celulite. Gastando entre R$ 342,00 e R$ 485,00, levam para casa uma calça jeans cujo tecido contém microcápsulas de Skintex. O atrito com a pele faz liberar um derivado de vitamina A, que estimula o colágeno, revigorando a pele e... eureka!: acabando com a celulite. A griffe que comercializa essa maravilha se chama Miss Sixty. A notícia completa está no cadeno D+ do Estado de Minas de hoje.
2) Alexandre Cruz Almeida reproduziu no seu espetacular blog LiberalLibertárioLibertino (tem um banner vermelho dele, ao lado), notícia publicada em O Globo de 18 p.p.: Filmes de Sexo Ajudam Panda a Engravidar- PEQUIM. Programa desenvolvido na China para estimular a reprodução de pandas criados em cativeiro por meio da exibição de filmes de sexo parece estar dando resultado. Cientistas do Centro de Proteção dos Pandas Gigantes Wolong, no sudoeste do país, anunciaram ontem que uma ursa de 4 anos está grávida. Os pandas dificilmente se reproduzem em cativeiro e estão ameaçados de extinção na natureza.
Já mandei pro Alexandre meu comentário: Tá na cara que esse negócio de filme pornô para ensinar panda a transar é puríssima e barata sacação. Quem sabe a gente não poderia passar filme de passarim voando pros filhotinhos de periquito sairem por aí? E os humanos filhos de proveta, terão de aprender a transar? E em povos ancestrais e, ainta, nalgumas tribos africanas, onde não se tem a menor idéia do papel masculino na procriação? Cumé que nasce gente lá? Na medida em qua o tal panda vai se acostumando ao novo habitat e convivendo com a amiguinha panda, os hormônios deles se entendem. O resto é história da carochinha (de péssima qualidade). Vai dar no Ripley´s: "Acredite se quiser".


21 junho, 2004

Dormir faz bem!

Com o título: Sono melhora o insight, o último número do jornal de informes científicos da Libbs, NeuroPsicoNews, traz a seguinte nota:
"Em estudos prévios, investigadores demonstraram que uma boa noite de sono consolida memórias recentes, até mesmo a aquisição de habilidades mediante a prática. Num novo estudo da Alemanha, investigadores sugerem que o sono também aumenta o insight e o pensamento criativo.
Ensinou-se aos participantes como transformar séries de dígitos em novas séries, seguindo duas regras explícitas. À medida que repetiam essa tarefa, realizavam-na mais rapidamente. Realizar repetidamente a tarefa, expôs cada participante a uma regra oculta ou implícita que, se reconhecida, subitamente os fez transformar as séries de maneira muito mais simplesmente.
Por oito horas depois de suas sessões de treinamento, os participantes dormiram normalmente ou foram mantidos acordados (durante o dia ou à noite). Depois, todos os participantes novamente realizaram a tarefa repetidamente. Com a retomada da tarefa, 60% dos participantes que tinham dormido, mas somente 22% dos participantes que tinham sido mantidos acordados (ou seja, durante o dia ou a noite), reconheceram a regra implícita e melhoraram acentuadamente seu desempenho.
Esses resultados podem indicar que o sono estimula um processo cognitivo que leva ao insight súbito. Este fenômeno poderia explicar o porquê cientistas ou artistas subitamente têm tiveram idéias inspiradas ao acordarem. Em qualquer evento, os resultados reforçam as crescentes evidências de que realmente nos beneficiamos de uma boa noite de sono"
.
E nós, os blogueiros, que às vezes só temos as noites e madrugadas para publicar? Numa pesquisa (completamente aleatória) em inúmeros blogs, constatei que a hora de postagem mais freqüente está entre 00:00h e 02:00h am. Para quem trabalha ou estuda durante o dia, o tempo surrupiado ao descanso poderia afetar a criatividade, o desempenho, etc... Será isso mesmo? Alguém tem essa experiência?